O que existe na ponte sobre o Tamanduateí?
Existe uma ponte entre as estações Tamanduateí e São Caetano, da linha 12 dos trens da CPTM em São Paulo. Essa ponte fica sobre o Rio Tamanduateí, hoje canalizado.
Me lembro que por vezes pegava o último trem para chegar em casa quando trabalhava até mais tarde. A linha férrea é completamente escura entre as estações exceto nessa ponte, onde havia iluminação que vinha dos postes de um viaduto que passava por cima do rio, bem ao lado da linha do trem. E por vezes, sozinho dentro do vagão devido ao horário, via uma moça sentada na beirada do canal, balançando os pés.
O trem passava rápido demais e não conseguia ver nenhum detalhe, apenas o vestido comprido e o cabelo longo. Achava que era uma das moradoras da comunidade que havia ali, que surgiu após invasões nos terrenos próximos, que começaram na década de 90.
Pelo menos uma vez por semana eu pegava o último trem e gostava de ir dormindo até chegar na estação que descia, porém desde que vi essa moça pela primeira vez, não conseguia mais pegar no sono. Queria ficar acordado para vê-la. E ela sempre estava lá, não importava o dia, se estivesse frio ou chovendo, ela estava lá.
Comecei a imaginar o motivo dela sempre estar ali. Inventava várias histórias na minha cabeça, como se fosse um passatempo. Imaginava que ela fugia toda noite para não apanhar de um pai abusador ou que sentia muita saudade de sua avó recém falecida. Toda vez era uma história diferente.
Até que, num dia de muita chuva, algo extraordinário aconteceu.
Era verão e como todo ano, São Paulo era castigada com uma chuva torrencial. Desde que o trem saíra da estação Brás sofreu alguns apagões; as luzes se apagavam e parecia que o trem desligava, deslizando solto pelos trilhos, algo bem comum que já havia acontecido várias vezes em outras ocasiões.
Ao sair da estação Tamanduateí, a chuva aumentou muito, não dava para enxergar nada pela janela. Somente quando um relâmpago acontecia dava para ver a paisagem, apenas por um segundo ou dois.
Quando o trem estava próximo da ponte, aconteceu outro apagão. As luzes do vagão se apagaram e a sensação do trem estar deslizando nos trilhos começou.
Olhei pela janela, diretamente para o ponto do canal onde a moça costumava ficar. Foi quando meu coração praticamente parou.
Ela não estava sentada como sempre. Estava de pé, virada na direção do trem e olhando diretamente para mim. Não conseguia ver seus olhos, mas sabia que ela olhava diretamente para mim.
Faz alguns meses que isso aconteceu e eu não pego mais esse trem. Houve um descarrilamento exatamente naquela ponte e várias pessoas se feriram e uma morreu.
Sinto falta de olhar pela janela e vê-la sentada na beira do canal mas tenho certeza que ela está num lugar melhor.
Hoje eu fico vendo esse trem passar todas as noites, sentado na beira do canal, esperando encontrar alguém que me perceba e caso seja a hora, assumir meu lugar para que eu possa seguir meu descanso em paz.
Texto por: Tiago Sousa
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